quarta-feira, 3 de agosto de 2016

O DIA EM QUE SENADOR SÁ FOI MATÉRIA NA FOLHA DE SÃO PAULO.

Em 14 de junho de 1998, era publica a matéria abaixo, feita por um enviado especial da folha de são Paulo ao município.A história é fascinante, fala por si só!. Confira:


“Para quem gosta de cartões-postais, esse pequeno município do norte cearense (5.500 habitantes), próximo ao açude Tucunduba, é uma jóia. Num de seus distritos, o governo montou em 1993 um ambicioso projeto de irrigação de 75 hectares de terra plana. No centro da cidade, perto da Academia Julie de Dança e Alongamento, está o hospital. Um brinco. Em oito meses, atendeu 10 mil pessoas. Tem 12 leitos, 11 vagos. No único ocupado, descansa um garoto de 11 anos, com diarréia.
Na escola, os bebedouros têm água gelada, e a merendeira tem congelador. Na sala de informática há dez computadores. Disseram ao prefeito que era necessário prevenir eventuais quedas de corrente e que isso poderia ser feito comprando-se um estabilizador de voltagem ou um equipamento que mantivesse os micros funcionando por alguns minutos em caso de blecaute. Comprou os dois. Tem vagas para todas as séries.
Visto pelos fundos, Senador Sá não tem atividade econômica, rede de água ou de esgoto. O equipamento do projeto de irrigação tornou-se sucata. Sua principal fonte de renda monetária está nos R$ 60 mil que o Funrural remete mensalmente a 500 aposentados. A prefeitura já empregou mais de 15% da população e hoje emprega 7,5%. O último prefeito é hoje o homem mais rico do pedaço, com uma frota de carretas.
O médico do hospital não mora no município, e há algo como 20 casos de hanseníase na área rural. Lá, um professor ganha R$ 46 mensais por jornada de três horas. Mas há lugares onde as professoras não aparecem. Por conta da seca do ano passado, manteve-se no município uma frente de trabalho de 180 homens, mas ela foi desativada em janeiro. Em Senador Sá, mão-de-obra vale R$ 3 por dia, mas falta quem a queira.
No início da manhã de 4 de maio, 500 pessoas estavam diante do portão de ferro da casa murada do prefeito José Rui Nogueira Guerra(ele errou era Aguiar), um comerciante de 49 anos, filho e neto de notáveis do lugar, transpondo-se do PL para o PSDB. Uns 200 vieram das vizinhanças do açude, os demais eram pobres do vilarejo. "Eles queriam derrubar o portão", lembra Guerra(Rui Aguiar). "Fiquei em casa, preocupado. No meio daquela multidão, podia arriscar minha vida. Liguei para Fortaleza, mas não achei ninguém. Era muito cedo."
"Ele não tinha como evitar. Fiquei com medo, porque podiam bater nele", lembra Vicente de Paula Carvalho, 36 anos, que desceu do lugarejo de Córrego de Cima. "Nós fomos para o depósito. Teve gente que pegou 60 pacotes. Eu peguei duas latas de óleo. Se não aparecer serviço, vai ter de novo."
"Levaram uns R$ 6.000 em mercadoria da merenda escolar", lembra o prefeito: "A televisão tem culpa nisso. Fica dizendo coisas".
Difícil, porque Senador Sá já foi invadida cinco vezes (1983, 1987, 1991, 1993 e 1997). Alguma comida ou lotes de mantimentos evitaram que os saques avançassem. Na lembrança de um velho morador, saque mesmo só houve em 1970, em plena ditadura, no tempo em que a televisão não ficava dizendo coisas. Vicente, por exemplo, não é um calouro. Esse foi o seu segundo saque. Não teme a polícia: "Levo meus quatro filhos para a cadeia". Também não é um incendiário. Registra com satisfação que "o MST nunca passou por aqui, nem a gente quer, porque nós não queremos tomar as coisas dos outros". Explicando melhor: "Sou de fora dos sem-terra. Quando um sem-terra morre, a mulher e os filhos ficam sem nada". Votou em FFHH e voltará a fazê-lo.
Francisco Alves da Silva, 25 anos, cinco filhos e nenhuma instrução, também. Esteve no saque, mas não conseguiu pegar nada. A fome entrou em sua casa há dois anos. "Já teve dia em que não comi nada. Na fome dói a dor da fome, na barriga."
Na eleição de 1994, Luiz Inácio Lula da Silva teve 35 dos 3.000 votos de Senador Sá."

Matéria da Folha de São Paulo.

Veja na integra: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc14069838.htm

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